Muita vez ao rubor de um
revérbero e a um vento,
Que à chama sempre é um golpe e o cristal um tormento,
Bem num velho arrabalde, amargo labirinto
De humanidade a arder em fermentos de instinto,
Há o trapeiro que vem
movendo a fronte inquieta,
Nos muros a apoiar-se e como faz um poeta,
E sem se incomodar com os guardas descuidosos,
Abre o seu coração em projetos gloriosos.
Ei-lo posto a jurar,
ditando lei sublime,
Exaltando a virtude, abominado o crime,
E sob o firmamento - um pálio de esplendor -
Embriagar-se à luz de seu próprio valor.
Estes, que a vida em
casa enche de desenganos,
Roídos pelo trabalho e as tormentas dos anos,
Derreados sob montões de detritos hostis,
Confuso material que vomita Paria,
Voltam, cheios de odor
de pipas e barrancos,
E seguem-nos os que a vida tornou tão brancos,
Bigodes a tombar como velhos pendões;
Os arcos triunfais, as flores, os clarões
Se erguem diante do
olhar, ó solene magia!
E na ensurdecedora e luminosa orgia
Do clarim e do sol, do grito e do tambor,
Eles trazem a glória ao povo ébrio de amor!
E assim é que através
desse terrestre solo,
O vinho é ouro a rolar, fascinante Pactolo;
Pela garganta humana ele canta os seus feitos
E reina por seus dons como os reis mais perfeitos.
E para o ódio afogar e
embalar o ócio imenso
Desta velhice atroz que assim morre em silêncio ,
Gerou o sono, Deus, de remorso tocado;
O homem o vinho criou, filho do sol sagrado
Autor: Charles
Baudelaire (1821-1867)
Editado por: nicoladavid