
É noite; o astro saudoso Rompe a custo um plúmbeo céu, Tolda-lhe o rosto formoso Alvacento, húmido véu: Traz perdida a cor de prata, Nas águas não se retrata, Não beija no campo a flor, Não traz cortejo de estrelas, Não fala d'amor às belas, Não fala aos homens d'amor.
Meiga lua! os teus segredos Onde os deixaste ficar? Deixaste-os nos arvoredos Das praias d'além do mar? Foi na terra tua amada, Nessa terra tão banhada Por teu límpido clarão? Foi na terra dos verdores, Na pátria dos meus amores, Pátria do meu coração?
Oh! que foi!. .. deixaste o brilho Nos montes de Portugal, Lá onde nasce o tomilho, Onde há fontes de cristal; Lá onde viceja a rosa, Onde a leve mariposa Se espaneja à luz do sol; Lá onde Deus concedera Que em noites de Primavera Se escutasse o rouxinol.
Tu vens, ó lua, tu deixas Talvez há pouco o país, Onde do bosque as madeixas Já têm um flóreo matiz; Amaste do ar a doçura, Do azul céu a formosura, Das águas o suspirar; Como hás-de agora entre gelos Dardejar teus raios belos, Fumo e névoa aqui amar?
Quem viu as margens do Lima, Do Mondego os salgueirais, Quem andou por Tejo acima, Por cima dos seus cristais, Quem foi ao meu pátrio Douro, Sobre fina areia d'ouro, Raios de prata esparzir, Não pode amar outra terra" Nem sob o céu d'Inglaterra Doces sorrisos sorrir.
Das cidades a princesa Tens aqui; mas Deus, igual Não quis dar-lhe essa lindeza Do teu e meu Portugal; Aqui, a indústria e as artes, Além, de todas as partes, A natureza sem véu; Aqui, oiro e pedrarias, Ruas mil, mil arcarias, Além, a terra e o céu!
Vastas serras de tijolo, Estátuas, praças sem fim Retalham, cobrem o solo, Mas não me encantam a mim; Na minha pátria, uma aldeia, Por noites de lua cheia, É tão bela e tão feliz! ... Amo as casinhas da serra, Co'a lua da minha terra, Nas terras do meu país.
Eu e tu, casta deidade, Padecemos igual dor, Temos a mesma saudade, Sentimos o mesmo amor: Em Portugal, o teu rosto, De riso e luz é composto, Aqui, triste e sem clarão; Eu lá, sinto-me contente, Aqui, 'lembrança pungente Faz-me negro o coração.
Eia, pois, ó astro amigo, Voltemos aos puros céus, Leva-me, ó lua, contigo Preso num raio dos teus; Voltemos ambos, voltemos, Que nem eu, nem tu podemos Aqui ser quais Deus nos fez; Terás brilho, eu terei vida, Eu já livre, e tu despida Das nuvens do céu inglês.
Autor: João de Lemos (1819-1890) Editado por: nicoladavid |