Não sei que diga. E a quem o dizer? Não sei que pense. Nada jamais soube.
Nem de mim, nem dos outros. Nem do tempo, do céu e da terra, das coisas... Seja do que for ou do que fosse.
Oiço os ralos queixosos, arrastados. Ralos serão? Horas da noite. Noite começada ou adiantada, noite. Como é bonito escrever!
Com este longo aparo, bonitas as letras e o gesto - o jeito. Ao acaso, sem âncora, vago no tempo. No tempo vago... Ele vago e eu sem amparo. Piam pássaros, trespassam o luto do espaço, este sereno luto das horas. Mortas!
E por mais não ter que relatar me cerro. Expressão antiga, epistolar: me cerro. Tão grato é o velho, inopinado e novo.
Me cerro! Assim: uma das mãos no papel, dedos fincados, solta a outra, de pena expectante. Uma que agarra, a outra que espera... Ó ilusão! E tudo acabou, acaba. Para quê a busca das coisas novas, à toa e à roda?
Silêncio. Nem pássaros já, noite morta. Me cerro. Ó minha derradeira composição! Do não, do nem, do nada, da ausência e solidão.
Da indiferença. Quero eu que o seja! da indiferença ilimitada. Noite vasta e contínua, caminha, caminha. Alonga-te. A ribeira acordou.
Autor: Irene
Lisboa (1892-1958) |