A noite era bela - dormente no espaço A lua soltava seus pálidos lumes; Das flores fugindo, corria lasciva A brisa embebida de moles perfumes.
Do ermo os insetos zumbiam na relva, As plantas tremiam de orvalho banhadas, E aos bandos voavam ligeiras falenas Nas folhas batendo com as asas douradas.
O túrbido manto das névoas errantes Pairava indolente no topo da serra; E aos astros - e às nuvens perfumes - sussurros, Suspiros e cantos partiam da terra.
Nós éramos jovens - ardentes e sós, Ao lado um do outro no vasto salão; E as brisas e a noite nos vinham no ouvido Cantar os mistérios de infinda paixão!
Nós éramos jovens - e a luz de seus olhos Brilhava incendida de eternos desejos, E a sombra indiscreta do níveo corpinho Sulcava-lhe os seios em brandos arquejos!
Nós éramos jovens - e as balsas floridas O espaço inundavam - de quentes perfumes, E o vento chorava nas tílias do parque, E a lua soltava seus tépidos lumes!...
Ah! mísero aquele que as sendas do mundo Trilhou sem o aroma de pálida flor, E à tumba declina, na aurora dos sonhos, O lábio inda virgem dos beijos de amor!
Não são dos invernos as frias geadas, Nem longas jornadas que os anos apontam. O tempo descora nos risos e prantos, E os dias do homem por gozos se contam.
Assim nessa noite de mudas venturas, De louros eternos minh’alma enastrei; Que importa-me agora martírios e dores, Se outrora dos sonhos a taça esgotei?
Ah! lembra-me ainda! - nem um candelabro Lançava ao recinto seu brando clarão, Apenas os raios da pálida lua Transpondo as janelas batiam no chão.
Vestida de branco - nas cismas perdida, Seu mórbido rosto pousava em meu seio, E o aroma celeste das negras madeixas Minh’alma inundava de férvido anseio.
Nem uma palavra seus lábios queridos Nos doces espasmos diziam-me então: Que valem palavras, quando ouve-se o peito E as vidas se fundem no ardor da paixão?
Oh! céus! eram mundos... ai! mais do que mundos Que a mente invadiam de etéreo fulgor! Poemas divinos - por Deus inspirados, E a furto contados em beijos de amor!
No fim do seu giro, da noite a princesa Deixou-nos unidos em brando sonhar; Correram as horas - e a luz da alvorada Em juras infindas nos veio encontrar!
Não são dos invernos as frias geadas, Nem longas jornadas que os anos apontam... O tempo descora nos risos e prantos, E os dias do homem por dores se contam!
Ligeira... essa noite de infindas venturas Somente em minh’alma lembranças deixou... Três meses passaram, e o sino do templo À reza dos mortos os homens chamou!
Três meses passaram - e um lívido corpo Jazia dos círios à luz funeral, E, à sombra dos mirtos, o rude coveiro Abria cantando seu leito afinal!...
Nós éramos jovens, e a senda terrestre Trilhávamos juntos, de amor a sorrir, E as flores e os ventos nos vinham no ouvido Contar os arcanos de um longo porvir!
Nós éramos jovens, e as vidas e os seios, O afeto prendera num cândido nó! Foi ela a primeira que o laço quebrando Caiu soluçando das campas no pó!
Não são dos invernos as frias geadas, Nem longas jornadas que os anos apontam, O tempo descora nos risos e prantos, E os dias do homem por dores se contam!
Autor: Fagundes Varela (1841-1875) |
Não esqueça ligar o som.
|
Literatura >