Teu
aniversário, Poeta, no escuro
não se
comemora. Antes, se celebra
no
claro enigma das horas.
Tentas
nos fugir. Em vão.
Tua
poesia nos persegue
e
revertida te alcança
como o
sonho persegue
o
sonhador fujão.
Podes
te alojar — barroco e torto —
dentro
de um santo de pau oco,
como
aqueles que, em Minas,
ocultam
a riqueza clandestina
de seu
dono. Podes fingir
a
indiferença do corpo
quando
se refugia no sono.
Podes
partir para Buenos Aires
Bombaim
ou
Tapajós.
Não te
deixaremos a sós,
pois
ensinaste ao leitor mudo
a
emoção da própria voz.
Independente
de ti,
na luz
renascente do dia,
como
tua poesia, teu aniversário
se
irradia.
Neste
dia
não há
vanguarda e academia,
prosa
e poesia, nem à direita
e à
esquerda, ideologia.
Teus
versos se instalaram
nas
dobras dos lençóis e cartas,
se
infiltraram nos jornais,
viraram
slogans, provérbios
e
senhas matinais.
Não há
quem te não saiba de cor.
A
abelha de teus versos
segrega
em nós o nosso mel melhor.
Hoje o
jornaleiro
entregará
na esquina
um
jornal mais leve e limpo
onde a
poesia abre espaço
nas
guerras do dia-a-dia.
O
porteiro de teu prédio
amanhecerá
engalanado
como
guarda da rainha,
protegendo-te
do assédio
de
quem quer te ver de perto.
O
carteiro de tua rua
qual
hércules moderno
trará
pacotes, malotes
e
pirâmides de afeto.
Certo,
hoje não sairás à beira-mar, puro recato.
Mas as
ondas, sabidas, guardarão para amanhã
as
cabriolas e saltos, que brincalhonas
darão
à tua passagem
— no
calçadão da avenida.
Quando
nasceu o poeta? Em 1902?
No
ontem de Itabira? Ou depois
que
alguma poetisa se iluminou
em
reunião e epifania?
Como
nasceu o poeta? Antes
do
primeiro poema, quando ele ardia
a dor
do mundo sozinho? Ou no dia
da
primeira topada da crítica
com a
"pedra no meio do caminho"?
Quem é
esse poeta ambíguo e exilado
no
umbigo do grande mundo
como
um avesso Crusoé?
Qual a
sua melhor máscara?
A de
Carlos? O elefante de paina?
A
letra K? Ou o absurdo José?
Ah,
drummontanhosa criatura,
difícil
esfinge de orgulho e ferro,
ostra
enrodilhada no inexistente mar de Minas.
Pena
que não te veja teu pai,
nesta
hora nacional. Imagino-o
chegando
de chapéu, com as botas dos currais
e
encontrando na sala da fazenda
essa
multidão de brasileiros
a
louvar o filho gauche
—
franzino e tímido —
num
canto do salão.
Poeta,
pai involuntário
de
tantos poetas voluntários.
Teus
descendentes literários te saúdam
e te
beijam vivo
com
aquele amor, que, em Minas, contido,
só se
exibe diante do morto, no imaginário.
Não
podemos esperar que partas em ausências
para
te amar melhor. Nosso amor
se
ilumina à luz de tua presença.
O
amor, como a poesia, tem urgências.
Te
amamos e não te ocultamos nosso gesto.
Te
amamos como indivíduo — sozinhos e discretos
ou
como um grande país
— com
alarde e afeto.
Autor:
Affonso Romano de Sant’Anna (1937)
Editado por: nicoladavid